Definição e contexto histórico
Foram vários os fatores que criaram o cenário que deu origem e influenciou o film ou cinema noir.
Com a Segunda Guerra houve a imigração de muitos diretores de cinema da Alemanha para os Estados Unidos. A principal razão certamente estava nas oportunidades que o país, com sua indústria cinematográfica consolidada, tinha a oferecer aos talentosos artistas germânicos. Boa parte destes profissionais do cinema alemão eram de origem judaica e, com a chegada ao poder de Adolf Hitler, não tiveram outra saída senão deixar a Alemanha e partir para a América.
Já a quebra da Bolsa de Valores em 1929, a Lei Seca e o surgimento dos gangsteres aumentaram o desemprego, a insegurança da população e o aumento da criminalidade que também foram fatores importantes na temática do estilo.
| O que foi o expressionismo alemão
Com o intuito de acabar com os problemas sociais e salvar o país da pobreza e violência, os Estados Unidos decidiram banir as bebidas alcoólicas ao pensar que o álcool era o principal motivo dos problemas que os estavam destruindo.
Criou-se assim a Lei Seca que esteve em vigor de 1920 a 1933. Esta proibia oficialmente a fabricação, transporte, importação ou exportação de bebidas alcoólicas. Entretanto, tal lei não acabou com o consumo do álcool e novas estratégias foram encontradas para conseguir a bebida. Os gangsteres viram, então, um novo campo de atuação e passaram a dominar o milionário mercado das bebidas, utilizando-se da corrupção da polícia e elegendo políticos que legislavam a seu favor. O resultado desta lei foi a desmoralização das autoridades e um estímulo à corrupção. Cidades como Chicago e Nova York viram a criminalidade explodir, enquanto a máfia enriquecia com o contrabando de álcool (FRAGOSO, 2016).
A Grande Depressão foi decisiva para que a Lei Seca acabasse. Entretanto, os conflitos entre gangues que tentavam manter seus territórios e poder aumentou, ampliando sua atuação, se infiltrando em cargos públicos e em redes de crime mais amplas. É justamente nos anos 1930 que alguns criminosos se tornaram ícones da cultura americana como John Dillinger, Pretty Boy Floyd, Clyde Barrow & Bonnie Parker, entre outros (FRAGOSO, 2016).
Assim, surgiu um estilo de filme noir resultado da combinação de estilos e gêneros, que recebe grande influência do expressionismo alemão e do realismo poético. Nos Estados Unidos, foi influenciado pela literatura de ficção policial.
Os filmes expressionistas, com a força das suas imagens, influenciaram outras cinematografias, principalmente as dos Estados Unidos a partir do final dos anos 1920 (LIRA, 2013).
A sua iluminação low key, os ângulos de câmera distorcidos, os designs simbólicos e os filmes mudos como O Gabinete do Doutor Galigari (1919), de Robert Wiene, e de diretores como Fritz Lang com Metropolis (1927) e as séries do Dr. Mabuse e o filme Nosferatu (1922), de F. W. Murnau, foram fortes influências na indústria cinematográfica americana. Além de compartilharem muitos realizadores, a aplicação de suas técnicas foi favorecida já que apresentava temáticas em comum, como desvio de valores morais, histórias psicológicas e fatalistas, entre outros (FRAGOSO, 2016).
Na década de 1920, enquanto nos Estados Unidos se reestrutura para atender a crescente massa de público fascinados com o surgimento de filmes falados, na Europa, as vanguardas, que propiciaram uma excepcional efervescência criativa, rapidamente chegaram ao seu fim devido a carências de meios econômicos para se sustentar (RONDOLINO, 2006).
Entre o fim de uma guerra mundial e as novas ambições imperialistas dos regimes totalitários na Itália, na Espanha, em Portugal e na Alemanha começa a surgir um novo movimento cultural. É nesta ambígua conjuntura social e política que o realismo poético se desenvolve retomando uma produção de cinema que dialogasse mais intimamente com o grande público (PREDAL, 1991).
Com produções comprometidas com a realidade social do pais, o realismo poético encarna os dilemas pelos quais a sociedade passava no período (BILLARD, 1995).
Novos produtores surgiram, impulsionados pela concorrência com a indústria hollywoodiana. E a incorporação da fala possibilitou a elaboração de roteiros cinematográficos mais artísticos. Assim, escritores e jornalistas passaram a ser requisitados como roteiristas de cinema.
Os principais aspectos que poderiam ser destacados destas produções audiovisuais são a retratação das classes socialmente desfavorecidas, representadas por operários, trabalhadores braçais ou marginais e desertores. Sua aspiração, no entanto, não era promover uma análise sociológica profunda ou uma compreensão do estado psicológico dos personagens. Mas sim, prezava por uma leitura objetiva da concretude do mundo na interação entre o indivíduo e seu entorno. Os diretores buscavam mostrar como, ao mesmo tempo, o ambiente molda e determina o indivíduo, e é moldado e determinado por ele.
O movimento somente perdurou até a década de 1940, quando eclodiu a segunda guerra mundial e a França foi tomada pelos nazistas (BONI, 2014).
Por outro lado, o cinema noir teve como forte influência as obras de ficção policial da escola hardboiled, um estilo completamente americano. Estas obras têm influências do gênero literário do crime, mas enfatizando as emoções de receio e terror e as atitudes cínicas do detetive transmitidas a partir das conversas interiores, que descrevem ao leitor o que ele está pensando e sentindo.
O protagonista típico é um detetive que testemunha diariamente a violência do crime organizado e mostra como lida com um sistema legal que se tornou tão corrupto quanto a própria criminalidade. Rendido cinicamente por este ciclo de violência, o detetive da ficção hardboiled transformou-se no clássico anti-herói. Desde que a ficção hardboiled foi publicada, esta ficou associada com as chamadas revistas pulp na década de 1930. Este estilo literário ganhou outras dimensões ao tornar-se popular em todo o mundo. Países como França, Alemanha, Japão, Espanha, Portugal, Noruega e Itália apreciavam e desenvolviam as suas próprias versões de histórias hardboiled (MASCARELLO,2015).
Assim, o cinema noir surge e, apesar de popular, gera bastante conflito quanto à sua origem, já que não há um consenso que permite delimitar sem controvérsias uma determinada data para seu início, o mesmo ocorrendo com seu encerramento, assim como suas características estéticas e narrativas.
É consenso afirmar que o termo noir teve sua origem na França em 1955, mas somente uma década após o uso impreciso e confuso do termo que a primeira tentativa de compreendê-lo apareceria. No livro dos críticos Raymonde Borde e Etienne Chaumeton, Panorama du film noir américain, houve o esforço de categorizá-lo em retrospectiva. Outros estudos foram realizados neste sentido, mas justamente a falta de precisão e consistência da categoria definitiva resultaria, em sua versão americana, cheia de problemas teórico-críticos (AUGUSTI et al, 2013).
O noir no cinema
O cinema noir pode ser entendido como o estilo visual dentro do gênero drama criminal utilizado nas produções audiovisuais a partir dos anos 1940 e encontrou terreno fértil na realidade angustiante de uma sociedade norte-americana arrasada pelo conflito mundial e com o sentimento de segurança e estabilidade em xeque. Com seus valores abalados, a sociedade absorveu facilmente a concepção niilista do homem e de sua própria existência, com temas sombrios, como alienação, corrupção, desilusão, neurose, alimentando os argumentos noir (BERTRAND, 2012).
Este estilo foi uma resposta às condições sociais, históricas e culturais presentes nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial e no imediato pós-guerra e que combinariam as formas da ficção criminal americana com um estilo visual inspirado nos filmes expressionistas dos anos 1920 (MATTOS, 2001).
O tema principal era o crime, simbolizando o mal-estar americano do pós-guerra e seria uma forma de denúncia, resultado da crise econômica e da inevitável necessidade de reordenamento social ao fim de uma guerra mundial. A ética ambivalente dos personagens noir, o tom pessimista e fatalista, e a atmosfera cruel, paranoica e claustrofóbica dos filmes, seriam metáforas para a problematização do pós-guerra (COSTA, 1989).
Tanto é que Mascarello (2006) aponta que os principais elementos narrativos dos filmes noir são:
[…] a série de motivos iconográficos como espelhos, janelas (o quadro dentro do quadro), escadas, relógios, etc. – além, é claro, da ambientação na cidade à noite (noite americana, em geral), em ruas escuras e desertas. Num levantamento estatístico, possivelmente mais da metade dos noirs traria no título original menção a essa iconografia – night, city, street, dark, lonely, mirror, window – ou aos motivos temáticos – killing, kiss, death, panic, fear, cry, etc. (p. 182)
Já a narrativa e estilo noir tiveram seus elementos cruciais vindos da literatura policial e no expressionismo cinematográfico alemão. A herança expressionista é confirmada nos inúmeros filmes policiais que sintetizam os conteúdos violentos dos filmes: assassinatos em espaços urbanos, na calada da noite (GUIMARÇÃES,2014).
A lista de filmes noir e aqueles com inspiração noir é grande, assim como seu impacto na indústria cinematográfica americana. Abaixo elenca-se as características determinastes desta filmografia assim como filmes referência que possibilitam compreender a interligação entre as inovações estéticas e narrativas propostas pelo cinema noir: criando um modelo de filmes que conseguiu refletir os dramas e o imaginário do cidadão estadunidense da época (MURARI; PINHEIRO, 2012).
Lembra-se, entretanto, que a cinematografia dos Estados Unidos da época não produziu apenas o cinema noir. Hollywood lançou, com o mesmo vigor, filmes (comédias, melodramas, musicais, westerns) que apresentavam conteúdos com atmosfera e tom opostos aos trabalhados pelos filmes noir.
Características do filme noir
Dentre as temáticas frequentes nos filmes noir encontramos o passado, no qual os protagonistas geralmente querem fugir de algum fardo do passado, incidente traumático ou um crime passional. Seja qual for a origem dos problemas, o passado é tangível, ameaçador e inextricavelmente ligado com o presente. E somente ao confrontar esse passado que o protagonista pode ter esperança de alcançar algum tipo de redenção (AUGUSTI et al, 2013).
Marcando ainda o tempo, e reforçando as influências do expressionismo alemão, o filme noir fazia uso frequente do flashback, ou seja, a interrupção de uma sequência cronológica narrativa pela interpolação de eventos ocorridos anteriormente que poderia ser utilizado para mudança de plano temporal ou confundir o espectador (DUARTE, 2017).
Já a câmera subjetiva era uma técnica utilizada para mostrar o ponto de vista literal do personagem. Um dos melhores exemplos desta técnica ocorreu em 1947, quando Robert Montgomery apresentou o detetive Marlowe em A Dama do Lago.
Neste filme o público só conseguia ter uma boa imagem do personagem quando este se via no espelho, já que todo o filme foi filmado com câmara subjetiva. Assim como o flashback e a câmera subjetiva, a narração na primeira pessoa, que também era uma técnica popular entre os escritores hardboiled, era muito utilizada nos filmes noir, já que permitia levar o espetador a identificar-se, mesmo que parcialmente, com o narrador e revelar de uma maneira mais íntima suas emoções (ORTEGOSA, 2010).
A casualidade também faz parte do mundo noir que interliga, como uma corrente inquebrável e inevitável, o personagem a uma pressagiada conclusão. Nele os estranhos sincronismos acontecem inexplicavelmente criando uma corrente de acontecimentos que, por fim, arrastam o infeliz protagonista para o seu fim (CÁNEPA, 2008). Já o estilo visual era marcado pela predominância do contraste de luz e sombra e pelo uso frequente de linhas e ângulos acentuados que produzem um efeito de desequilíbrio da imagem.
A iluminação de baixa intensidade, low key, e o contraste luz e sombra, que rivalizam nos ambientes externos noturnos, mas também nos interiores sombrios e a luz lateral, fria e sem filtros, demarcando os contornos e revelando apenas uma parte da cara, cria assim uma tensão mais dramática.
Este componente estilístico surgiu da influência do expressionismo alemão, mas também de uma necessidade, uma vez que a guerra trouxe redução dos orçamentos principalmente nas produções de filmes B, estando o noir entre eles.
E, assim, além de o contraste luz/sombra possibilitar ambientes mais soturnos e misteriosos, também podia esconder problemas de produção devidos ao baixo orçamento.
Exemplos magistrais desta técnica estão nos filmes Quem Matou Vicki? (1941) de H. Bruce Humberstone. Na figura, a baixa iluminação de fundo associada ao foco de luz voltado diretamente para o personagem possibilita a percepção do homem ao fundo sem, porém, consegui identificá-lo.
Ao mesmo tempo o contraste criado pela luz focada no rosto do personagem sentado direciona a atenção para ele, mas por ser extremamente próxima ao seu rosto gera novas sombras, mais duras, marcando o contorno do seu rosto e revelando apenas um lado do seu rosto. Na cena, o detetive Ed Cornell, personagem ao fundo, está interrogando o principal suspeito do assassinato da modelo Vicky, o agente publicitário Frankie Christopher.
Em Império do Crime (1955) de Joseph H. Lewis, o tenente da polícia Diamond recebe ordens para parar de investigar o chefe do crime, Sr. Brown, porque não foi capaz de obter evidência concreta contra o criminoso. Ele então se aproxima da namorada de Brown, Susan Lowell, para obter informações, mas acaba se apaixonando por ela. Após mortes, reviravoltas e conspirações o tenente consegue finalmente prender o S Brown. E finalmente o tenente e Susan podem ficar juntos. O fotograma do filme retrata o momento que Susan e Diamond, após a prisão do vilão, podem se encontrar livremente. O uso da técnica de luz e sombra muito bem aplicada a esta cena juntamente com a iluminação possibilita a visão somente das silhuetas dos personagens (AUGUSTI et al, 2013).

Existia uma preferência para ângulos e planos pouco comuns. Como, por exemplo, os enquadramentos em contra-plongée (câmera baixa) e a luz de baixo para cima acentuam a atmosfera claustrofóbica dos interiores, projetando sombras para o alto, tornando o teto visível, proporcionando a sensação de opressão dos personagens ou até mesmo desfigurando-os como exemplificado na figura do filme A Dama de Shanghai (1947), de Orson Welles. Na cena, o personagem é visto de baixo para cima engrandecendo-o e engrandecendo a arma que carrega na cena gerando uma sensação de superioridade em relação ao observador.
Os ângulos elevados, ou plongée, também proporcionavam um desequilíbrio, que ajuda a criar atmosfera destes filmes ainda como no filme A Dama de Shangai e, por fim, os planos aproximados (close-ups) permitiam ao espectador observar de maneira um pouco mais intrusiva as emoções dos personagens, técnica que levava a aumentar a tensão e o drama como na figura do filme A Dama de Shangai.
Nela, Elsa, linda esposa do promotor criminal Arthur Banniste, é mostrada em um plano fechado. A câmera está bem próxima do se rosto, não sendo possível ver nada além da personagem e da arma que empunha trazendo maior destaque para a expressão e postura da atriz. Na emblemática cena do filme que acontece na casa dos espelhos, os personagens são duplicados infinitamente representando as múltiplas facetas que cada um apresenta. E somente quando todos os espelhos se quebram, após um duelo de tiros, que os personagens reais se encontram cara a cara, suas verdadeiras naturezas são reveladas.

A luz anti-solar presente nas cenas, mesmo nas diurnas em interiores, evoca constantemente um universo pecaminoso e hediondo em que todos estão imersos. Ao contrário da luz ambiente e difusa, que desdramatiza e banaliza o tema, a luz anti-solar foge a uma iluminação natural, criando incerteza e inquietação porque não encontra correspondência em nossas expectativas cotidianas. Para exemplificar pode- se observar o flme Cidadão Kane (1941), de Orson Welles no qual a sombra do personagem não corresponde a natural sombra que deveria se formar a partir da iluminação do poste (ORTEGOSA, 2010). Este filme que, apesar de não ser considerado um filme noir, ainda assim apresenta forte influência deste cinema. (LIRA, 2013).

Frequentemente o noir se utilizou do espelho como elemento cenográfico, mas sua função extrapolava a figura decorativa. O excessivo uso do espelho e vidraças nas cenas cria um elemento gerador de cópias, de imagens duplicadas, sombras, reflexos e réplicas.
Todos estes elementos relacionam-se à questão da ilusão, do engano, do falso ou da perda da identidade, mas também metaforizam a perda da unidade no atormentado personagem do noir.
Pode-se citar a cena final do filme A Dama de Shangai (1947), de Orson Welles, que se passa em uma sala de espelhos. Nesta cena há um tiroteio acompanhado pela quebra desses espelhos, fato que metaforiza a aparição das reais personalidades das personagens do filme. Nesta cena a representação da representação, uma metalinguagem, que além de aumentar a tensão, reflete todos os lados dos personagens e modifica a impressão da realidade graças aos espelhos (ORTEGOSA, 2010).

Até mesmo a femme fatale, que será abordada com mais profundidade em seguida, está sempre inserida em um jogo de espelhos, já que esta personagem frequentemente se utiliza de dissimulação e sedução para enganar – suas reais intenções ficam camufladas pela sua beleza, sensualidade e olhar marcante (ORTEGOSA, 2010).
Os protagonistas/heróis dos filmes noir são imperfeitos e moralmente questionáveis e pode-se identificar alguns personagens-tipo como detetives, femmes fatales, criminosos e polícias corruptos.
Desde O Falcão Maltês (1941), considerado como o ponto de partida os film noir, o detetive particular se tomou um ícone noir. O protótipo do personagem saiu da escola hard-boiled e das histórias de crime. Mas foi Dashiell Hammett quem criou um modelo de detetive noir com o personagem Sam Spade, protagonista de O Falcão Maltês.
É o seu comportamento irónico, duro, atento aos detalhes e com determinação inflexível para conseguir a sua própria justiça que o distingue como personagem.
Foi a versão do detetive de 1941 que se tomou padrão para todos os detetives particulares dos filmes noir que se seguiram. Sendo este personagem, na grande maioria dos filmes noir, o herói da história.
Salvo exceções, os detetives dos filmes noir são funcionários públicos da polícia local ou da agência federal. Mas podem ser encontrados personagem que desempenham um papel similar ao do detetive: como aquele que procura a verdade. Pode surgir como um representante da lei como o chefe de polícia Ramon Miguel Vargas em A Marca da Maldade (1958), ou Dennis O’Brien, um agente do Tesouro americano em Moeda Falsa (1947) e, muito raramente, uma mulher como Cheryl Draper em Testemunha do Crime (1954). (FRAGOSO, 2016).

A personagem que mais quebrou barreiras nos filmes noir foi a femme fatale. O estilo desenvolveu uma diferente representação da mulher, mais complexa e poderosa. Estrelados pelas divas do star system, os filmes apresentam uma mulher sedutora e malvada, como uma metáfora da independência feminina, que rompe com os padrões aceitos na época. Tudo é ostensivamente sensual na figura feminina: as cores fortes do figurino explicitam as formas voluptuosas daquela que, devido à postura corporal e à expressão facial, parece comandar toda a ação. São nestes filmes que a figura feminina assume uma posição totalmente oposta às mocinhas ingênuas ou às prendadas donas de casa, apontando para a ruína de alguns valores familiares dos Estados Unidos nos anos após a Segunda Guerra Mundial (CÁNEPA, 2008).
Estas personagens existem essencialmente para fazer contraponto à figura masculina e reforçar o padrão patriarcal dos filmes noir. Apesar de serem fortes e estarem dispostas a usar todas as suas armas, inclusive da sua própria sexualidade, ainda são vítimas de uma sociedade que subjuga mulheres poderosas, como pode-se ver nas personagens de Gilda em Gilda (1946), de Charles Vidor.
No filme, Gilda é a nova linda esposa de Ballin Mundson e que já foi amante de Johnny Farrell, o gerente do cassino de propriedade de Mundson.
Ou Lúcia em Na Teia do Destino (1949), de Max Ophüls, no qual a personagem oculta o cadáver do namorado da filha Bea, que acabou morrendo por acidente após uma briga com a garota.

O criminoso pode surgir de várias maneiras, como um personagem qualquer vítima da causalidade, alguém envolvido em atividade ou ainda alguém que foi seduzido por uma femme fatale, que o convence a cometer um crime, seja matar ou roubar. Ou pode simplesmente ser um errante que decide cometer um crime para proveito próprio. Assim como o criminoso, as figuras da lei são corruptas a exemplos dos próprios assassinos ou criminosos e que, além de falsificar provas, também cúmplices nos crimes, são bastante comuns nos filmes noir (FRAGOSO, 2016).
Os ambientes urbanos, principalmente as metrópoles, são frequentemente utilizados nos filmes noir e estas têm um papel fundamental nos longas: elas participam da ação e fornecem elementos para humor e tensão. Estas selvas de asfalto, cheias de becos sombrios, multidões de figuras indistintas, são o cenário perfeito para os acontecimentos assustadores do film noir. Estas dark cities da ficção noir foram continuamente recriadas por cineastas do final do século XX.
Neo noir
Em meados dos anos 1970 o noir inundaria o mercado cinematográfico norte-americano com produções como Chinatown (Roman Polanski, 1974), Um Lance no Escuro (Arthur Penn, 1975) e Taxi Driver – Motorista de Táxi (Martin Scorsese, 1976), aos quais se seguiram, como neo-noir, filmes como Corpos Ardentes (Lawrence Kasdan, 1981), Blade Runner – O Caçador de Androides (Ridley Scott, 1982), Veludo Azul (David Lynch, 1986), O Mistério da Viúva Negra (Bob Rafelson, 1987), Jogo Perverso (Kathryn Bigelow, 1990), Los Angeles: Cidade Proibida (Curtis Hanson, 1997), A Estrada Perdida (David Lynch, 1997) (BERTRAND, 2012).
Os longas Sin City: A Cidade do Pecado (Robert Rodriguez, 2005) e Dália Negra (Brian de Palma, 2006) também podem ser considerados neo-noir.
Características do filme noir estão presentes em séries policiais como Bosch, Law & Order: SVU.
O estilo ganhou nova vertente de temática adolescente a exemplos de Veronica Mars (2003), e do filme Brick (2006), batizados por críticos de teen-noir.
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