BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS (The Dark Knight, 2008) elevou o padrão dos heróis no cinema

Por ANDRÉ AZENHA

Batman: O Cavaleiro das Trevas foi o primeiro filme baseado em HQs a ultrapassar a marca de US$ 1 bilhão – pouco antes nascia o Marvel Studios, que anos depois transformaria praticamente em rotina conseguir esse valor. A continuação de Batman Begins estreou em 14 de julho de 2008 nos EUA, e quatro dias depois no Brasil.

À época, a sensação de ter assistido um divisor de águas na trajetória do cinema não pôde ser descrita em poucas palavras. Ficou impossível caminhar contra a maré e não entrar de cabeça no hype formado a partir de uma campanha viral ao melhor estilo de A Bruxa de Blair e Cloverfield, até um poderoso esquema de marketing que incluiu o lançamento do DVD animado O Cavaleiro de Gotham, com tramas localizadas entre o longa anterior e a obra recém lançada no cinema.

Christian Bale in The Dark Knight (2008)

A morte prematura de Heath Ledger (escalado para viver o Coringa), aos 28 anos, por overdose de medicamentos antes do lançamento e os primeiros trailers fizeram o burburinho se tornar uma bola de neve. E não houve decepção. As primeiras críticas da produção compararam-na com O Poderoso Chefão 2 O Império Contra Ataca, continuações superiores aos filmes originais de suas respectivas franquias.

“É a melhor adaptação de uma HQ para o cinema já realizada”. “Oscar póstumo para Ledger”. “Indicação de Melhor Filme no Oscar de 2009”. Essas foram algumas bolas levantadas pela imprensa especializada. O Cavaleiro das Trevas é isso tudo e mais. É um drama policial denso, tenso, com toques de tragédia principalmente no ato final, tem ótimas sacadas irônicas (principalmente vindas do mordomo Alfred, tão bem composto por Michael Caine). É a jornada e a transformação de duas figuras do lado da lei (uma “oficial”, a outra de “capa e máscara”) que precisam confrontar seus ideais perante o caos causado por um lunático. É uma obra completa, com tudo no seu devido lugar.

Heath Ledger in The Dark Knight (2008)

Diferente de outras adaptações cinematográficas de HQs, em que os atores dão entrevistas dizendo que se divertiram ao interpretarem seus personagens, tanto em Batman Begins como em O Cavaleiro das Trevas, os artistas se dedicaram como se estivessem participando de um drama shakespeariano. Vestiram a camisa e saíram, cada um à sua maneira, com atuações excepcionais.

Se no anterior a plateia pôde presenciar o encontro de Liam Neeson, Ken Watanabe, Tom Wilkinson, Rutger Hauer, entre outros, nesse pôde conferir os remanescentes Christian Bale (a melhor de todas as encarnações de carne e osso do homem-morcego), Morgan Freeman, Michael Caine, Gary Oldman e até Cillian Murphy (em rápida aparição), mais os “novatos” Maggie Gyllenhall (ocupando o posto que havia sido de Katie Holmes, como a promotora Rachel Dawes), Aaron Eckhart, Eric Roberts e Heath Ledger.

Gary Oldman and Nestor Carbonell in The Dark Knight (2008)

Na trama, Batman tornou-se o medo dos bandidos da cidade. Junto com o tenente Gordon (Oldman), conseguiu finalmente levar medo aos traficantes. Sua existência faz cidadãos a passarem a se vestir como ele e tentar “fazer justiça”. No campo dos tribunais, o município passa a ter um promotor confiável, Harvey Dent (Aaron Eckhart). Em meio a tudo isso, surge o Coringa (Heath Ledger), que propõe à bandidagem a solução para que o crime volte a governar Gotham: matar Batman. Atentados passam a acontecer, juízes, policiais e civis são mortos. O pânico se instala na metrópole.

Mesclando ação, suspense, policial e drama, o público é jogado num épico de sociedade desorientada, que busca sedentamente alguém em quem confiar e possa salvá-la da desordem. O roteiro também dá uma pequena cutucada no governo americano da era Bush, quando questiona (numa cena entre Bale e Morgan Freeman), se é ético e/ou necessário estar plugado aos celulares de todos os munícipes para vigiá-los e conseguir informações. Bush utilizou meios parecidos para monitorar terroristas.

Aaron Eckhart in The Dark Knight (2008)

Se a direção de Nolan – inspirada, segundo ele próprio declarou, em Fogo Contra Fogo, de Michael Mann, principalmente no duelo psicológico entre os dois rivais, como ocorreu com os personagens de Al Pacino e Robert de Niro no longa de 1995) – é espetacular (ele praticamente abriu mão de efeitos computadorizados e filmou quase tudo “de verdade”), a trilha sonora de James Newton Howard e Hans Zimmer cria os momentos perfeitos de tensão.

O elenco é a cereja de um bolo cujos ingredientes casaram-se perfeitamente. Caine e Freeman surgem carismáticos como sempre, Maggie dá uma dimensão dramática ao papel que Holmes não havia conseguido antes, e Bale e Eckhart conseguem transmitir os conflitos internos de seus personagens. O primeiro enxerga no promotor Harvey Dent uma esperança de poder deixar a cidade nas mãos de um “cavaleiro de luz” e assim, levar uma vida normal. Já o segundo mergulha numa viagem sem volta de transformação intensa, perante sentimentos como injustiça e perda. E juntos a Rachel formam um triângulo amoroso.

Christian Bale and Maggie Gyllenhaal in The Dark Knight (2008)

E há Heath Ledger. A forma como compôs o vilão – o modo de andar, de lamber os lábios e a fala fantasmagórica, mais o visual borrado, com um “quê” de O Corvo -, faz o Coringa de Jack Nicholson, tão elogiado à época do primeiro Batman de Tim Burton, parecer brincadeira de criança. A atuação do falecido ator ganhou reconhecimento mundial, rendendo muitos prêmios póstumos a ele.

Apesar do título, o longa não é uma versão da história clássica de Frank Miller. Um ou outro fã mais radical pode não aceito as modificações em relação aos gibis. No entanto, há cenas que reproduzem quase à exatidão alguns quadros de HQs clássicas do herói, como aquela em que Batman, Gordon e Dent reúnem-se no terraço do prédio, retirada de O Longo Dia das Bruxas.

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O Longo Dia das Bruxas.


O filme ultrapassou a marca de US$ 900 milhões em sua primeira trajetória pelas salas de exibição e voltaria em fevereiro do ano seguinte para ultrapassar a hoje obsessiva marca do bilhão. Recebeu 152 prêmios (incluindo dois Oscars, de ator coadjuvante e edição de som) e outras 155 indicações. Reconhecimento merecido. Garantindo, assim, a conclusão da trilogia em 2012, O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Para entender o contexto de 2008, se atualmente a Marvel domina as bilheterias, naquela temporada Homem de Ferro alcançou razoável sucesso, mas foi ofuscado pelo longa do Cruzado de Capa. O universo dos heróis nas telonas nunca mais seria o mesmo.

Batman: O Cavaleiro dasTrevas
The Dark Knight.
2008. EUA / Reino Unido.
Direção: Christopher Nolan.
Elenco: Christian Bale, Morgan Freeman, Heath Ledger, Aaron Eckhart, Michael Caine, Gary Oldman, Maggie Gyllenhall, Eric Roberts, Cillian Murphy.
142 minutos.

Christian Bale and Heath Ledger in The Dark Knight (2008)
Christian Bale in The Dark Knight (2008)
Heath Ledger in The Dark Knight (2008)
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