O cineasta chinês Wong Kar-Way é especialista em filmar liricamente a solidão e os desencontros do amor. Foi assim nos belos Amor à Flor da Pele (2000) e 2046: Os Segredos do Amor (2004). Seu primeiro filme em inglês, Um Beijo Roubado, vai pelo mesmo caminho, e conta com um ótimo elenco.
Nova York. Jeremy (Jude Law) administra um pequeno café e restaurante. Elizabeth (a cantora Norah Jones, estreando no cinema) descobre que seu namorado esteve com outra mulher no local. Ela rompe o namoro e deixa suas chaves com Jeremy, caso seu ex-namorado as queira de volta. Elizabeth retorna ao café várias vezes e ambos iniciam uma amizade – os dois perderam amores, cada um de uma maneira, e encontram um no outro, uma válvula de escape, algo em comum no meio de uma metrópole onde muitas pessoas sentem-se solitárias.

Em busca de redenção, ela parte numa viagem pelos Estados Unidos e depara-se com situações mais desesperadoras que a sua, e passa a enviar cartões postais ao novo amigo, sem nunca dizer onde exatamente está.
Pelo caminho, conhece o policial Arnie Copeland (David Strathairn, de Boa Noite Boa Sorte), que se tornou alcoólatra por não aceitar o fato de Sue Lynne (a maravilhosa Rachel Weisz), sua esposa, tê-lo deixado. E testemunha o trágico desdobramento desta separação. Em Nevada, conhece Leslie (Natalie Portman), expert em pôquer. Todas essas pessoas têm situações dramáticas que precisam ser resolvidas.

O filme é um bonito road movie sobre a solidão americana, muito bem embalado por um visual caprichado, e por mais que o desfecho possa parecer óbvio demais e as resoluções do roteiro para os inúmeros casos sejam resolvidas de forma rápida, impossível não apreciar uma obra cinematográfica que tenha duas das mulheres mais talentosas e lindas do mundo, Rachel Weisz e Natalie Portman (ótimas em suas respectivas interpretações), e agora, Norah Jones. A cantora estreou como atriz com o pé direito, cuja atuação simples, de feições econômicas, casou perfeitamente com seu papel de observadora. Strathairn, como de costume, também se saiu muito bem e Jude Law marca presença com carisma. Atentem ainda para a ponta da cantora Cat Power como ex-namorada russa de Law.
Merecem elogios também a fotografia de Darius Khondji (Se7en) e a trilha musical repleta de blues e jazz de Ry Cooder (Paris, Texas). Além disso, Kar-Way preenche as lacunas do longa com sua marca registrada: cores dessaturadas, slow motion, pequenos close ups e referências que somente os mais atentos irão perceber: o café pertencente a Jeremy chama-se Klyuch. Trata-se da palavra “chave” em russo. As chaves, por sinal, simbolizam a possibilidade das pessoas terem a chance de voltar à vida de alguém ou estarem com as portas fechadas para isso. Já o título original, My Blueberry Nights (Minhas Noites de Bluberry) é uma comunhão da torta de mirtilo (blueberry) adorada pela protagonista e a tristeza (blue) dos personagens. Também é perceptível a intenção de focalizar o sorvete de baunilha derretendo, como metáfora para os amores não correspondidos que se despedaçam aos poucos.
Talvez não seja o melhor trabalho de Kar-Way, mas não dá para negar a beleza e a poesia da obra. Eu me apaixonei por este igual aos filmes anteriores do diretor.
Um Beijo Roubado
My Blueberry Nights
Hong Kong, EUA, 2007.
Direção: Wong Kar-Way.
Com Jude Law, Norah Jones, Natalie Portman, Rachel Weisz, David Strathairn.
90 minutos.


