Por ANDRÉ AZENHA
Diz o clichê que tomou conta da imprensa especializada à época: Infiltrado na Klan era o retorno do grande Spike Lee à boa forma. Não concordo muito com esse tipo de afirmação. Como se artistas fossem atletas, competidores. É o filme mais emblemático dele nos últimos tempos, sim. Mas o cineasta jamais perdeu a verve crítica, a lucidez ao tratar de temas densos.
No caso, ele narra a história real de Ron Stallworth (John David Washington, filho do astro Denzel Washington), que se infiltrou na Klu Klux Klan durante os anos 70. Ele conversava por telefone com o diretor da organização racista, David Duke (o mesmo que identificou em Jair Bolsonaro alguém “dos seus”), vivido por Topher Grace. Quando convocado a ir nas reuniões do grupo, foi substituído pelo colega branco Flip Zimmerman (Adam Driver, o Kylo Ren de Star Wars). Na vida real, essa investigação evitou diversos atentados.

A trama acompanha ainda a relação de Ron e a ativista do movimento negro Patrice (Laura Harrier, a Liz de Homem-Aranha de Volta ao Lar, demonstrando versatilidade enquanto intérprete). O filme toma algumas liberdades, principalmente no ato final.
Spike Lee escreveu o roteiro junto a Charlie Wachtel, David Rabinowitz e Kevin Willmott e partir do livro assinado pelo próprio Ron. Destila ironia, humor ferino, para criticar a hipocrisia, o preconceito e, apesar de tratar de algo ocorrido há décadas, traça um poderoso paralelo com o mundo atual, tomado por políticos nacionalistas, preconceituosos e que chegam ao poder graças à parte da população que se revela igualmente intolerante.

Infiltrado na Klan tem entre os produtores o ator e diretor Jordan Peele, do excepcional Corra! (2017). É, acima de tudo, retrato do momento do planeta, da ignorância. Traz elenco afiado: Alec Baldwin faz Dr. Kennebrew Beauregard, o veterano das telinhas Robert John Burke (Law & Order: Special Victims Unit) é o chefe de polícia Bridges. Por sinal, o protagonista encontra dificuldades dentro do departamento onde trabalha. Há o racismo implícito, velado.
David Duke chegou a ser deputado na Luisiana. Votou duas vezes contra o projeto que transformava o aniversário de Martin Luther King em dia festivo no estado. Em 2002 seria condenado por fraude e evasão fiscal. Mas a cegueira por parte de alguns é tanta que o sujeito seguiu em atividade. Em 2017 estava no “protesto” de grupos supremacistas brancos em Charlottesville. Infiltrado na Klan encerra com imagens de arquivo chocantes, que nos lembram: por mais que passos sejam dados a um mundo melhor, sempre surge alguém para remar contra, para impor o ódio, a segregação. Por isso, o filme de Spike Lee é tão necessário. Nos reforça: a luta nunca termina.
Recebeu o Oscar de roteiro. O único da carreira de Lee. Tremenda injustiça. Foi o melhor filme de 2018.
Infiltrado na Klan
BlacKkKlansman
2018. EUA.
Direção: Spike Lee.
Com John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier, Topher Grace, Alec Baldwin, Robert John Burke.
135 minutos.

