Por Waldemar Lopes *

Com uma impressionante filmografia que inclui 217 títulos entre longas, filmes para TV, séries e animações, o grande Christopher Plummer será sempre o Capitão Von Trapp, do amado clássico musical A Noviça Rebelde para os amantes do cinema.
Não deixa de ser um pouco irônico, pois Plummer, na época do lançamento de Noviça, não compartilhava do mesmo entusiasmo que todos tinham pelo longa, e tecia comentários nem sempre muito elogiosos. Talvez se sentisse um pouco como um peixe fora d’água num musical, sendo que, em 1964, era um renomado ator de teatro, cheio de grandiosos espetáculos. No entanto, ficou superamigo de Julie Andrews, sem qualquer possibilidade de romance, uma vez que Julie estava bem casada e andava pelos sets com a filhinha Emma, de dois anos. Quando se referia à Julie, dizia que trabalhar com ela era como ser atingido por um cartão do dia dos namorados na cabeça, revelando o bom humor que rolou na amizade entre os dois atores por décadas.
Durante as filmagens, Chris manteve uma certa distância das crianças, ao contrário de Julie, que o defendia dizendo que seu comportamento e ótima atuação, deram a adstringência necessária para um filme que tinha tudo para ser açucarado. Engordou com a boa comida de Salzburg e por isso foi repreendido pelo diretor Robert Wise, que temia que o figurino não mais lhe coubesse nas cenas finais. A bebida parecia ser uma de suas coisas favoritas, para se lembrar da famosa e muito linda música cantada por Julie para a criançada. Por fim, Charmian Carr, que fez sua filha Liesl, de 16 anos, revelou no The Oprah Winfrey Show que Chris tornou-se seu crush durante as filmagens.
Com o passar dos anos, Christopher fez as pazes com o megassucesso de A Noviça Rebelde e reconheceu-se arrogante naquela época. Assistindo-se aos DVDs dos aniversários de 45 e 50 anos do clássico, podemos ver como ele passou a admirar as grandes qualidades do longa e da atuação icônica de Julie. Na homenagem do Oscar ao aniversário de 50 anos do filme, disse que não iria porque aquele era um filme de Julie Andrews, e o sucesso era exclusivamente por causa dela.

Christopher era assim. Uma pessoa que falava o que pensava, brutalmente honesto, como se diz em inglês.
Com Julie Andrews, Chris trabalhou pela segunda vez em 2001 no belo Num Lago Dourado, telefilme transmitido ao vivo – trabalho que não é para qualquer ator – e no ano seguinte, num sofisticado show de Natal, A Royal Christmas. Ainda considerando-se Andrews, ele trabalhou para o marido dela, o genial cineasta Blake Edwards e se divertiu vivendo o vilão do grande sucesso A Volta da Pantera Cor-de-Rosa, ao lado de Peter Sellers.
Nascido em 13 de fevereiro de 1929, Plummer começou sua carreira nos palcos em 1950 e parece ter só posto um ponto final com sua partida em 5 de fevereiro de 2021, aos incríveis 91 anos. Com um número fenomenal de espetáculos teatrais, inclusive Shakespearianos, recebeu dois Tony Awards – por Cyrano em1974 e Barrymore, em 1997.
Seu primeiro filme foi Quando o Espetáculo Termina (1958), e em meio a vários longas, recebeu seu primeiro Emmy em 1976 pela minissérie Moneychangers. Receberia um segundo anos mais tarde pela série de TV Madeline/1993 – 95.

Plummer continuou seu grandioso trabalho como ator pelas décadas em incríveis filmes de gêneros diversos e trabalhando com fantásticos cineastas: O Homem Que Seria Ser Rei /1975, Assassinato por Morte/1980, Em Algum Lugar do Passado/1980, Testemunha Fatal /1981, O Informante/1999, Star Trek VI /1991, Os 12 Macacos/1995 , Uma Mente Brilhante/ 2001, Syriana/2005, O Plano Perfeito/2006 e Millenium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres /2011.
O Oscar começou a rondar Chris tardiamente, em 2009. Tudo começou nesse ano, com a belíssima animação Up – Altas Aventuras/2009, que, indicada também como filme, acabou ganhando o prêmio de animação. E a voz de Chris e sua tocante interpretação muito contribuíram para isso. E mais, no mesmo ano, Chris recebeu sua primeira indicação como coadjuvante por A Última Estação. Mas não foi dessa vez que ganhou.
A boa maré veio em 2012, quando Chris, aos 82 anos, surpreendeu a academia e o resto do mundo como um viúvo com câncer que sai do armário e revela ao filho que é gay, em Toda Forma de Amor. Ao receber o Oscar, disparou, ”Você é dois anos mais velha que eu. Onde você esteve esse tempo todo?”, riu, olhando para a estatueta e arrancando gargalhadas do público.
Os últimos trabalhos de Plummer o mantiveram em evidência na premiação. Por sua brilhante atuação como Paul Getty em Todo o Dinheiro do Mundo /2017, ele se tornou o ator mais idoso – 88 anos – a receber uma indicação e o ótimo Entre Facas e Segredos/2019 recebeu indicação para roteiro.
Chris trabalhou tanto que deixa um título de seu maravilhoso legado cinematográfico para o ano de 2021 – Heroes of the Golden Masks, com sua bela e distinta voz. Uma inspiração para todos, afinal, ele é o nosso Capitão Von Trapp, com o apito na boca chamando seus sete filhos, sendo desafiado pela noviça Maria.

WALDEMAR LOPES é artista plástico, engenheiro mecânico, professor, cinéfilo. Anualmente realiza em Santos uma palestra beneficente sobre o Oscar, que se tornou tradicional na cidade. Também já realizou encontros sobre cinema para a Universidade Católica de Santos, Universidade Monte Serrat, Secretaria de Cultura de Santos e Rotary. Escreve para o CineZen e o 50 Anos de Cinema. Cedeu seus acervos pessoais para exposições no Santos Film Fest – Festival Internacional de Cinema de Santos sobre Julie Andrews e Sonia Braga, atrizes das quais é o maior especialista no Brasil. Em parceria com o festival, também lançou o livro gratuito Grandes Interpretações do Cinema Brasileiro.